sexta-feira, 26 de abril de 2024

III

Vou considerar que não foi por acaso que a minha liberdade coincidiu com os festejos dos 50 anos do 25 de Abril. 

Gosto de pensar que há sincronismos que acontecem porque a vida às vezes também é poética. Larguei as máscaras para voltar à vida. E não há melhor festa que a do 25 de Abril para festejar - também - essa liberdade. ❤️

#25deabrilsempre

domingo, 7 de abril de 2024

II

A primeira vez que senti o gânglio foi em 2019. Não tinha queixas de nada e era indolor. Apesar de saber que não havia nada que pudesse ter que causasse um inchaço do gânglio, desvalorizei. Disse para mim mesma que era um quisto e assim me mantive durante dois anos, mas, na verdade, nunca fiquei descansada.

Só ao fim desses dois anos quando notei que o gânglio estava maior é que resolvi agir e, aí, começou uma odisseia de exames e análises que, com uma pandemia pelo meio e, ainda assim, uma certa passividade da minha parte, terminou com um diagnóstico só dois anos depois, em 2023. 

Ao longo desses dois anos, nenhum dos exames e análises que fiz confirmavam malignidade. Não tinha sintomas, as alterações nas análises eram muito subtis, portanto, o resultado da biópsia chegou como uma avalanche.

Agora, quase um ano depois da biópsia, seis meses depois do fim do tratamento, não posso dizer que respire de alívio. 

Expiro baixinho e suavemente de alívio com esperança que não se dê por isso não vá estar a largar foguetes antes do tempo.

É um alívio contido, com restrições, porque estar em vigilância é estar permanentemente atenta a novos sinais e sintomas que possam reaparecer. É pensar constantemente no que é que se fez no passado para que isto pudesse acontecer: foi por ter comido isto? Foi por ter bebido esta água? Foi por stress? Se eu fizer isto ou aquilo vou voltar a ficar doente? Aquilo que senti naquela altura e que desvalorizei seria um sintoma?

Há qualquer coisa que se sente que acaba definitivamente com uma doença destas. Uma esperança ou ânsia ou uma alegria de viver que deixa de existir da mesma forma. Não se relaxa da mesma maneira. Não se bebe um copo de vinho sem pensar na toxicidade do álcool em cada gole. Não se relaxa ao sol mesmo com protector 50. O cabelo é diferente. E quem é aquela pessoa no reflexo do espelho? 

Há um antes e um depois. E o depois carrega uma nuvem cinzenta.

As mazelas de um tratamento, físicas e emocionais, duram tempo de mais para que sintamos que passaram de raspão. São marcas que ficam gravadas na pele, no organismo e nas emoções. 

Há um ano disse que 2023 ia ser um ano incrível e agora, no ano seguinte ao atropelamento que 2023 foi, o meu único desejo é voltar a sentir-me normal e com saúde.

Há um renascimento lento e doloroso e uma certeza de que nada voltará a ser igual. E se isso é bom eu ainda não sei.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

I

Cancro. Uma pequena palavra que carrega uma grande ameaça. Consigo escrevê-la mas ainda não consigo dizê-la.

Mesmo já estando livre dela.

Uma vez disse-a mas baixinho, com medo que alguém a ouvisse. Ou que eu a ouvisse. Perguntaram-me se esta doença é a experiência transformadora de que tantos falam mas não sei se aprendi alguma coisa com ela. Sinto que falhei no teste.

Mas sobrevivi. Parece que a quimioterapia matou o bicho mas levou, também, com ela o pouco que tinha cá dentro. Devia ser pouco porque não sinto nada, só o vazio. E a solidão do vazio.

Sinto-me mais desligada agora do que me sentia antes ou durante o tratamento.

Depois da luta, os dias são ocupados pela dúvida e a única certeza é o que quero deixar para trás.

Falhei no teste? 

Ninguém nos diz o que fazer quando acaba e o mundo espera que tenhamos a resposta para o sentido da vida.

Só quero paz. Paz e prazer e viver devagar. Viver com calma. Viver sem medo. Viver em paz com o ruído que me rodeia, ter um escudo invisível que não deixe entrar nada que me perturbe. 

Tomar as rédeas da minha própria vida.

Tenho pensado em como o termo “lar” nunca foi um lugar de conforto e segurança para mim. Mesmo em adulta, os sítios que escolhi para viver foram uma fonte de ansiedade, de desconforto, de conflito, ruído, incerteza. Nunca me senti em casa em lado nenhum. Nunca me senti em casa com ninguém. Não me sinto em casa e preciso de me sentir em casa. É urgente.

O vazio acorda-me de vez em quando para me cobrar a atenção que não lhe tenho dado. Ando a fugir como posso e sempre que posso. Tento distrair-me com vida para fingir que está tudo bem, que me sinto bem e que a vida é este milagre que sempre ouvi dizer que era.

Li algures, depois de várias pesquisas sobre a vida após o cancro, que a melhor forma de lidar com o desconforto é confrontá-lo até que se torne confortável. Até que esteja confortável com o medo e a incerteza da doença.

O desconforto assalta-me de vez em quando. Aparece sem aviso. É a sensação de ser sugada pelo Espaço, para o Espaço, para o vazio, para o vácuo, para a escuridão, para o desconhecido sem segurança ou máscara de oxigénio.

Não é esta a solidão que eu abraçava antes. Não é esta a solidão que eu temia que me roubassem, aquela de que falava Nietzsche.

Esta solidão é outra. É outra coisa.

Estou desesperadamente à procura de um sentido, de sentir que há vida a viver depois disto, com a mesma esperança que havia antes. Que há coisas novas para experimentar e para aprender, emoções novas para sentir, amores para viver. E será que vou ter coragem para o fazer?

Esta nuvem que não desanda, que está pesada mas não descarrega…

Não há silêncio nem dentro da minha própria cabeça. Tenho mil cigarras dentro do meu ouvido.

Não há sossego que acalme esta inquietação.

Escrevo na esperança de que chegue a catarse.

III

Vou considerar que não foi por acaso que a minha liberdade coincidiu com os festejos dos 50 anos do 25 de Abril.  Gosto de pensar que há sin...